*Por Carlin Moura – Vereador em Contagem

Em 2014 inauguramos a nova UPA JK e iniciamos uma experiência nova de gestão através de contrato  com uma Organização Social da Saúde (OSS).  O modelo da UPA JK demonstrou-se muito positivo e foi regulado pela Lei n° 4.713/2014.

Posteriormente, de 2017 a 2020, o governo  que me sucedeu ampliou o contrato. Trocaram a OSS  e ampliaram o contrato, que passou a abranger, além da UPA JK, as outras 4 UPAS, o Hospital Municipal e a Maternidade.  

Em 09 de junho de 2021, a prefeitura anunciou intervenção no Instituto de Gestão e Humanização – IGH, OSS que administra atualmente a urgência e emergência na saúde de Contagem.

A decisão de intervenção foi tomada sob a alegação de falta de insumos, dívida com fornecedores, atraso nos salários dos servidores, irregularidades diversas e prestações de conta questionáveis. 

Após a intervenção, o executivo municipal enviou para a câmara o Projeto de Lei n.º 016/2021 que “Altera a Lei n.º 4.713, de 30 de dezembro de 2014, que dispõe sobre a qualificação de entidades sem fins lucrativos como organizações sociais e dá outras providências”.

O aludido projeto de lei do executivo propõe a retirada da observância ao disposto no artigo 1o, § 1o, da Lei Federal no 9.790/99 –  que estabelece que as instituições sem fins lucrativos não podem distribuir entre seus sócios, associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que tais excedentes devem ser aplicados integralmente no objeto social de suas atividades. Com a alteração proposta pela prefeitura, será possível a distribuição de dividendos entre os responsáveis pela instituição dita como sem fins lucrativos.

A lei 4.713/14, atualmente em vigor em Contagem, prevê que a OSS deve ter órgãos de deliberação superior e de direção (Conselho de Administração e Diretoria) voltados para atuação no âmbito do município. 

Ao retirar a obrigatoriedade de previsão de órgão de deliberação superior e direção no âmbito da municipalidade, o PL do Executivo  enfraquece o controle social dos atores do Município de Contagem, permitindo que os referidos órgão de deliberação superior possam ser ocupados sem a observância fundamental do critério local.

O PL prevê a retirada da exigência de que os estatutos da Organizações Sociais apresentem a composição e atribuições da diretoria executiva. Isso quer dizer que que os estatutos das OSS”s que pretendam se qualificar poderão não explicitar de maneira clara a sua composição, bem como das atribuições do corpo executivo e diretivo mais alto da entidade. Nos causa estranheza a retirada da exigência para os órgãos  executivos.

O texto do executivo municipal ampliou a possibilidade que os excedentes financeiros, patrimônio e doações decorrentes da sua atividade, em caso de extinção ou desqualificação da OSS”s, sejam destinados apenas à outra organização social qualificada no âmbito do município e de mesma atuação apenas no âmbito municipal. Com a mudança, em caso de extinção ou desqualificação de uma OSS, existirá a possibilidade, caso não tenha outra pessoa jurídica com as mesmas características, que os legados, excedentes e patrimônios possam ser incorporados por outras instituições também de âmbito Estadual e Federal. No texto do PL podem ser destinados à outras instituições, já no texto da lei atual vigente  autoriza a destinação apenas às Organizações Sociais propriamente ditas. 

O parágrafo   2o do artigo 2o da Lei Municipal no 4.713/2014 dispõe:

§ 2o – Poderão ser qualificadas imediatamente entidades que comprovem serem qualificadas como organizações sociais, no âmbito das atividades previstas nessa Lei, em outros estados ou municípios e comprovem possuírem contratos de gestão vigentes há mais de 2 (dois) anos.

A mudança proposta pelo governo estabelece que o edital de seleção poderá estabelecer que os requisitos previstos no inciso I, alíneas “c”, “h” e “j” do artigo 2o e dos artigos 5o e 6o da lei sejam introduzidos nos estatutos das entidades como condição para à assinatura do Contrato de Gestão com o cumprimento dos demais requisitos.

Aparentemente o texto do PL do executivo municipal pretende ampliar a participação de concorrentes ao processo de qualificação, autorizando o cumprimentos das alíneas “c”, h” e “j” do artigo 2o e dos artigos 5o e 6o em momento posterior à qualificação, ou seja, apenas na fase de assinatura do contrato de gestão. Penso que essa proposta pretende que as OSS”s com interesse em participar do certame não tenham que alterar seus estatutos sem a certeza da definição e abjudicação do chamamento público, facilitando a participação. Nossa  preocupação, no entanto, é que a não obrigatoriedade da observância dos itens citados nos respectivos estatutos das entidades podem fazer que OSS”s aventureiras e recém criadas participem do chamamento público futuro, enfraquecendo um controle mais rigoroso estabelecido no texto original da Lei no 4.713/2014.

O novo texto proposto pelo governo também desconsidera a redação das alíneas “d” e “f” do art. 3° da 4713/14. As mencionadas alíneas tratam de temas importantes como previsão de conselho de administração no âmbito municipal, bem como da obrigatoriedade de publicação anual no Diário Oficial do Município dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão, fato que prejudica maior controle social e atenta contra o princípio da publicidade e por tabela o princípio da eficiência, ambos previstos no artigo 37 da Constituição Federal e inerentes à Administração Pública.

Há propostas de alteração também caput do artigo 5° da Lei com a retirada da determinação de que  o conselho de administração seja  voltada apenas para as atividades pactuadas com o município. Se aprovado o texto contido no PL,  o conselho de administração passa a ter  funções mais abrangentes, não sendo específico para as atividades pactuadas com o município de Contagem. 

Relevante também a proposta de mudança do inciso V que diminui de 3 (três) para duas a obrigatoriedade da realização de assembleias anuais pelo Conselho de administração. 

Destaca-se ainda a inclusão do parágrafo único onde o executivo municipal propõe o direito de indicação de representantes do poder público e da sociedade civil para compor o conselho de administração daquelas entidades que possuam contrato de gestão como município de Contagem. No nosso modo de ver, não deveria ser uma faculdade do município e sim uma obrigatoriedade indicar seus representantes nos conselhos.

No que diz respeito a remuneração de seus diretores, novamente o texto do executivo municipal propõe a retirada do termo diretoria executiva, apenas para constar diretoria. O termo executivo nos remete ao principais diretores da entidade, fato que causa estranheza pela alteração proposta.

O PL ainda propõe revogar as alíneas “d” e “f” do inciso I do artigo 2o e os incisos I e IV do artigo 5o, ambos da Lei no 4.713/2014. As revogações propostas excluem exigências para qualificação como a obrigação que os estatutos da OSS’s tenham previsão de participação obrigatória, no conselho de administração, com atuação voltada especificamente para o município de Contagem, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral, bem como a obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial do Município, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão, enfraquecendo ao nosso ver um controle social mais rigoroso pela sociedade, bem como dificultando a publicidade de elementos essenciais de transparência. A proposta de alteração do texto original com a retirada de obrigatoriedade de composição de profissionais de notória capacidade profissional e idoneidade moral abram espaço para participação de membros não qualificados e passiveis de manipulação.

Com relação a revogação dos incisos I e IV do artigo 5°, vimos com estranheza a retirada da expressão constante no inciso I “Ser composto por” dando a entender que no texto proposto pelo executivo municipal retira-se a obrigatoriedade dos estatutos das OSS’s que tenham o interesse de se qualificarem possuam expressamente no conselho de administração os requisitos constantes no artigo 5o do texto da lei original. A revogação do inciso IV do artigo 5o também retira a possibilidade de indicação e substituição de membros natos a qualquer tempo.

Diante das ponderações acima e, considerando que mesmo com uma legislação atual mais rígida, a prefeitura já encontrou razões para intervir na atual gestão da IGH, não faz o menor sentido querer nesse momento abrandar a legislação. Precisamos é de lei mais rígida e controle social mais efetivo. Considero, portanto, equivocado e inoportuno o PL 016/21, de autoria do Executivo Municipal, o que me levará a votar contrário a sua aprovação, salvo emendas apresentadas.