A liquidação do patrimônio neste momento é um excelente negócio para quem comprará a Cemig e o resto dos bens de Minas, não para os mineiros
O acordo dito de Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que emperra a pauta da Assembleia, tem uma cláusula vinculante de liquidar o patrimônio que resta ao Estado, para pagar a dívida, que continuará acima de R$ 120 bilhões. E, ainda, aceitar a intervenção no Estado, que tolhe a soberania a Minas e a transfere aos credores.
Acaba, assim, a discussão que o partido do governador Zema sempre se esquivou de manter com os Poderes constitucionais, para relegar Minas a um poço, a uma jaula sem saída possível.
A liquidação do patrimônio neste momento é um excelente negócio para quem comprará a Cemig e o resto dos bens de Minas, não para os mineiros nem para substancialmente minorar a dívida.
Partimos da constatação de que a Cemig é um patrimônio rentável, que foi pilhado ao longo da última década pelo grupo mineiro Andrade Gutierrez, segundo o próprio presidente da estatal declara, sem citar o nome da construtora (amiga do governador), mas apontando claramente o período do inferno em que ela dominava a Cemig e que custou (sem correções, juros e perda de outras oportunidades) R$ 26 bilhões. Isso entre investimentos frustrados, custos injustificados e na distribuição de lucro além da realidade de balanço. Hoje, mesmo tendo sido pilhada, a estatal tem um valor de capitalização no Bovespa de R$ 24 bilhões.
Seriam pelo menos R$ 50 bilhões se a pilhagem não tivesse tirado R$ 26 bilhões, assim concluiu o presidente da estatal em recentes declarações públicas.
A tendência de recuperar a principal e mais estratégica estatal de Minas já está bem encaminhada e pode ser melhorada.
O último exercício deve mostrar isso e revelar a veracidade de que seu patrimônio por dez anos foi explorado impunemente pela mais desfaçada corrupção.
O Ebidta (ganhos de liquidez) da Cemig, em 2021, estará perto de R$ 9 bilhões, a receita estimada em 2022 é cerca de R$ 45 bilhões.
E mais, o mercado de energia elétrica tem um crescimento projetado de ao menos 5% ao ano ao longo dos próximos dez anos e pode passar de até 10% por fração de ano.
Isso projeta dobrar em termos reais as receitas da estatal até 2030, ou mais cedo. Também no mundo a energia elétrica subiu estupidamente no último ano, tornando o Brasil um “paraíso”.
No mercado livre no Brasil se compra, hoje, energia a R$ 55 por MWh; na Itália, é R$ 2.000, cerca de 30 vezes mais caro.
A Cemig vende para seus consumidores o MWh por R$ 700 mediamente e ainda cobra “bandeira vermelha” ao pobre consumidor, dando ao Estado um ganho injustificado de ICMS sobre a sobretaxa. Não existe, portanto, uma conjuntura mais promissora no planeta, e a Cemig pode na realidade dar rendimento excepcional no médio e longo prazo.
Um governo de Minas deve saber disso. O governador deve estar informado.
Não é absurdo imaginar uma evolução da receita em termos reais de 200% em dez anos e lucros fantásticos, desde que a honestidade e a competência sejam as condições de gestão da Cemig.
Ora, por que vender quando os macroindicadores anunciam uma fase áurea para a empresa?
Por que transferir um ativo estratégico (para a pátria mineira) e altamente promissor, que ao Estado poderia dar dividendos para pagar integralmente a dívida atual, de R$ 154 bilhões, em menos de 20 anos? Os lucros da Cemig poderiam ser dados em pagamento da dívida sem enjaular Minas por 30 anos?
Na realidade, o drama que leva a ver a RRF como solução, que castiga várias categorias de servidores públicos (abertamente detestados pela ideologia do Novo, que vê neles uma “doença incurável”), me parece desnecessário.
Um bom economista de um banco de investimento, que estuda fatores de médio e longo prazo, já deve que na compra da Cemig, neste momento, encontra-se um “excepcional negócio”.
Considerando também a situação monopolista e o controle total que tem da distribuição, perde o Estado uma condição estratégica.
A evolução pode não ser garantida, o mercado reserva sempre surpresas, mas hoje existe uma certeza incontestável: o valor da energia no Brasil é por demais competitivo.
E isso é bom, inclusive para manter esse “insumo”, com diferencial estratégico para atrair o desenvolvimento e o crescimento econômico.
Energia abundante, por um valor extremamente competitivo, atrairá investimentos qualificados, crescimento, mais gente saindo da linha da miséria e se transformando de sobrevivente em cidadão pleno.
Enfim, prosperidade para todos e para regiões castigadas por um IDH entre os piores do Brasil e do mundo.
Nada disso fica claro provavelmente a quem restringe sua análise sem levantar o olhar para um mundo e o mercado mundial.
O RRF significa o alcance principal do plano de privatizações repetidamente anunciado por Zema. A venda do patrimônio (Cemig, o principal) e a cessão da soberania estratégica por 30 anos aos credores deixarão os banqueiros exercerem decisões que são da população, haja vista que os credores da União, que é credora de Minas, são exatamente eles.
Minas se empobrece e pode retornar a um estágio colonial, controlada de fora para dentro. Este é o grande negócio que o governo de Minas defende?
Eu devia essas explicações, que são técnicas, podem tocar muita gente poderosa, mas que precisa se conformar à evolução social do novo milênio. Estamos num momento de impasse com o setor de segurança, mas isso é apenas uma cortina que esconde outras questões.
Chamo a atenção para aquilo que não é dito e garantirá a exploração da população e condená-la a mais décadas de atrasos. Custe a miséria, custe o sofrimento, custe o que for.
E, pior, com o apoio desavergonhado de um governo que deveria se opor a essa desgraça.
Artigo publicado no jornal O TEMPO de 07/3/2022